Dispensando apresentações, Chun-Li é a primeira-dama dos jogos de luta. Ela abriu portas para várias outras personagens icônica no mundo dos jogos, mas não foi só isso. Oficial da Interpol, a lutadora agregou vários detalhes importantes na história de Street Fighter, além de apresentar recursos de jogabilidade eventualmente copiados por outras franquias.
Contudo, os bastidores de sua criação, bem como as consequências disso, possuem muitos fatos surpreendentes — como brigas, polêmicas e até fetiches. Por exemplo: você sabia que cada jogo de Street Fighter tem versões alternativas por culpa da Chun-Li? Ou que ela tem ligação com certos famosos de Hollywood e de Animes?
Muito além de apenas curiosidades, vamos conhecer informações raras sobre a Chun-Li, incluindo desde artes conceituais até entrevistas. Confira tudo sobre uma das lutadoras mais queridas de Street Fighter neste especial do Voxel!
A criação de Chun-li — conceito, origem e nome
Esboço original do conceito de Chun-Li e outros personagens de Street Fighter 2Fonte: Capcom
Por coincidência, a ideia inicial para a concepção de Chun-li deu-se pela falta de conhecimento de um de seus criadores sobre a história dos jogos de luta. Quando Street Fighter 2 estava no começo da produção, o gênio Akira Nishitani, designer de vários jogos e personagens icônicos da Capcom, afirmou que gostaria de apresentar, pela primeira vez, uma lutadora jogável em títulos do tipo.
Porém, a ideia não era novidade, já que a Taito havia lançado Typhoon Gal ainda em 1985, trazendo uma lutadora como protagonista. Não fosse pelo acaso, Chun-li poderia não ter sido criada para Street Fighter 2.
Akira “Akiman” Yasuda, chefe criativo de Street Fighter 2, revelou ao documentário High Score GDLK que o foco conceitual do título era que todos os personagens fossem exagerados, priorizando o mercado ocidental. E isso fica claro quando se vê uma das ideias originais para a lutadora.
A revista EGN, em seu especial sobre Street Fighter 2 em 1992, mostra que Chun-Li seria uma mulher militar, parecida com a Soldado Vasquez do filme Aliens, o Resgate. A ideia chegou a ser adaptada e melhorada, mas não foi pra frente, somente sendo possível conferi-la em um dos finais da personagem. O conceito militar foi usado pouco depois em outra lutadora bastante popular na franquia, a Cammy.
Um dos primeiros concept arts de Chun-LiFonte: Capcom
Final da Chun-Li no modo arcadeFonte: Street Fighter 2
Após apresentar a ideia dos personagens e decidir pelo conceito de viagem pelo mundo, com quase todos os lutadores representando nacionalidades diferentes, foi definido que a personagem feminina seria oriúnda da China.
O conceito da Chun-li, como é conhecido atualmente, começou a nascer quando Nishitani recrutou Akiman, seu colega de trablho em Final Fight e Forgotten Worlds. O objetivo era criar uma personagem feminina forte e diferente das encontradas nos jogos da época, que praticamente só estrelavam princesas e donzelas em perigo. Akiman adorou a proposta, pois isso poderia atrair o público feminino para a franquia.
Street Fighter 6: veja lista com todos os lutadores e modos de jogo
Só que, durante os dois anos de desenvolvimento de Street Fighter 2, a criação da lutadora foi adiada ao máximo. Em um esforço para fazer dar certo, Akiman levou apenas cinco semanas para criar e implementar a “garota chinesa”, como ela era chamada pela equipe, diferente dos 10 meses que outros personagens levaram nas mãos de outros artistas. Naturalmente, o feito alavancou a carreira de Akiman na Capcom quase que imediatamente.
Segundo o site oficial da franquia Marvel vs Capcom, Chun-Li e seu estilo de luta com as pernas foi originalmente inspirado em Tong Pooh, uma das vilãs da série Strider, também da Capcom. Porém, Akiman tanto já negou o caso quanto o confirmou algumas vezes, em outras entrevistas. Suas habilidades também foram inspiradas nos filmes de kung-fu que faziam muito sucesso na época, principalmente na China, mas foram atualizadas para o Kempô chinês e suas variações com o tempo — como o Tai-Chi.
A jornada até o nome “Chun-Li” foi longa.
Com o design geral pronto, restava somente a escolha de um bom nome. A primeira ideia foi usar o sobrenome “Chung”, outra opção seria “Chugoku Musume”, que significa “filha do País do Leste” — como os japoneses se referem à China. Até que, segundo conta o próprio Nishitani no livro “Street Fighter Artworks Vol. 1”, uma revista de artes marciais inspirou o nome perfeito para a personagem. E, assim, nascia a Chiri!
Entretanto, Nishitani ainda tinha um problema: ele não sabia como se pronunciava esse nome em chinês. Pela incerteza, ele o adaptou para Zhi-Li, depois Chun Lee — sem hífen e duas letras “e” no final. Como a proposta de Street Fighter 2 era a imersão profunda nas origens de cada lutador — com direito a viagens até a China para fotografar um mercado popular chinês que se tornaria o cenário da lutadora —, o nome da personagem também deveria ser em mandarim, uma das principais línguas locais.
Após mais pesquisas e adaptações, nasce o nome atualmente conhecido: Shunrei, segundo a pronúncia japonesa, que em mandarim se escreve e pronuncia Chun-Li, significando “Beleza Primaveril”.
O visual de Chun-Li
Tao, do mangá e anime Genma War (1967)Fonte: Genma War
Ainda em Street Fighter Artworks Vol. 1, Akiman comenta que o design definitivo de Chun-Li começou praticamente copiando a personagem Tao, do mangá e anime Genma Wars, de 1967. Após modificações, algumas decisões originais apareceram, como a decisão por tirar as calças da lutadora.
Até pouco antes do término do desenvolvimento de Street Fighter 2, Chun-li usava calças. Porém, segundo Akiman em um especial biográfico para a Tocotocotv, o design não criou um impacto visual desejado no jogo e, assim, as calças ficaram insignificantes. Após várias tentativas, elas viraram a meia-calça que a lutadora veste em seus trajes mais conhecidos.
A partir disso, outras mudanças tiveram que acontecer. A primeira foi a inclusão das botas, em seguida, as vestes do torso. Inicialmente, Chun-Li usaria uma blusa tradicional chinesa chamada cheongsam, mas com a mudança na calça e a inclusão da bota, não fazia sentido a lutadora usar uma blusa.
Conceito original de Chun-Li com a blusa tradicional e a calçaFonte: Capcom
O vestido da versão final tem um nome, é um qipao, uma roupa tradicional chinesa do começo do século de 1900. Entretanto para as habilidades da lutadora funcionarem no visual foi preciso abrir duas fendas laterais exibindo suas pernas, para passar a impressão de maior mobilidade.
Originalmente a cor da roupa seria algo entre laranja e vermelho, com pequenas diferenças na implementação em sprites, por isso que na versão original do jogo para arcade a foto de Chun-Li está com outra cor de roupa, pois não houve muito tempo para terminar e acertar tudo. Isso só foi consertado na versão seguinte, a Champion Edition, entretanto a versão original de Chun-Li se tornou jogável em versões futuras do game quando ambos os jogadores escolhem ela para lutar.
Cor original de Chun-LiFonte: Capcom
Imagem na tela de versus na versão originalFonte: Street Fighter 2
Falando nisso, segundo dois ex funcionários da área de áudio da Capcom, Yoshinori Ono e a lenda Yoko Shimomura, as famosas coxas de Chun-Li são frutos do fetiche específico de Akiman com pernas grandes. Elas já eram um pouco grossas em Street Fighter 2, porém ele recebeu total liberdade para desenhar a lutadora como ele quisesse em Street Fighter 3 Third Strike. O designer de Chun-Li em Street Fighter IV foi Daigo Ikeno, que também manteve a ideia de Akiman, concretizando o visual da personagem.
Em seu cabelo, Chun-Li usa um penteado chamado niújiaotóu, conhecido como Chifre de Boi, que é uma espécie de coque grosso usado por homens e mulheres solteiros ou em idade infantil que residiam na China no começo do século XX. No Brasil uma variação bem mais desleixada é conhecida como Coque Samurai, mas essa é apenas uma entre várias adaptações e modificações do penteado. A versão de Chun-Li é uma das mais tradicionais pois são dois nas laterais da cabeça cobertos com um pano de seda e alguns laços.
Galeria 1
Os spikes que Chun-Li usa nos pulsos não são um sinal de que ela é roqueira. Originalmente eles não existiam, mas Akiman os implementou para destacar os movimentos das mãos e contrastar com o resto da roupa. Segundo a Gamefaqs, eles são feitos totalmente de metal, incluindo a parte preta, e pesam entre 7 e 10 kilos cada. A justificativa é que ela usa para tonificar os braços enquanto luta, além de servir de contra-peso e ajuste do centro de gravidade para equilibrar melhor o corpo durante os golpes com as pernas.
Aliás, lembra que eu falei das calças na versão original da Chun-Li?
Na série Alpha os primeiros concept arts para o novo visual mais uma vez mostravam ela de calça. Porém, os conceitos foram rejeitados. O novo visual foi construído buscando mostrá-la mais nova, mas sem perder a identidade que a fez ser conhecida.
Eri Nakamura, designer que foi a voz original da Chun-Li em Street Fighter 2 e a desenhou na série Alpha, revelou no livro 25th Anniversary Street Fighter Saikyo Dokuhan artbook que a roupa da lutadora na série Alpha é basicamente uma roupa de ginástica chinesa. Ela foi inspirada no famoso uniforme amarelo de Bruce Lee com um bordado por cima e tênis Adidas nos pés, marca que ela sempre usou.
Chun-Li costuma usar tênis da Adidas
Pesquisando mais afundo, olhando os catálogos de toda a história da Adidas, na série Alpha Chun-Li usa uma adaptação do tênis sneakers TRX Runner FW09 lançado em 1976, só que sem uma das listras laterais — para talvez não tomar um processinho. Porém, em 2018, Chun-Li foi patrocinada pela marca japonesa Onitsuka Tiger e uma arte conceitual dela sem o seu Adidas, mas com um tênis modelo Mexico 66 SD da companhia, foi divulgada de forma oficial pela Capcom.
A única vez que Chun-Li na versão da série Alpha usou um tênis que não era Adidas. Fonte: Capcom
Em uma entrevista para o blog Round 1 no site da Capcom, Akiman revelou que Chun-Li causou brigas internas e pessoais nos escritórios da companhia. Ele contou que fez as artes da lutadora para a tela de seleção, loading e vitória em Super Street Fighter 2, e ficou bastante feliz com o resultado.
No entanto, Nishitani mandou a então esposa de Akiman, que também trabalhava na Capcom, mudar os olhos da lutadora nas artes. Akiman, que nunca foi fácil de se lidar, ficou furioso, e fez um barraco, abandonando os escritórios da Capcom.
AntesFonte: Capcom
DepoisFonte: Capcom
Nessa mesma entrevista, Akiman revelou que cada personagem tinha um espaço planejado para ocupar no cartucho, e Chun-Li deveria ter apenas 2,8 megabits. No entanto, como vários outros personagens feitos antes estavam cada vez mais ocupando espaço além do planejado, ele retirou conteúdos de outros lutadores para Chun-Li ter tudo que ele queria para ela.
Mesmo com a preferência de seu criador, Chun-Li ainda não era a maior personagem do jogo: Ryu ocupava 8 megabits e Zangief 12 megabits, muito mais que ela. Mas isso foi muito bem compensado com o passar dos anos. A garota chinesa tem literalmente dezenas de roupas diferentes em Street Fighter V, com direito até a 2 bikinis diferentes, cosplay de Morrigan, de Darkstalker, e até um vestido de noiva, se tornando a lutadora com mais skins diferentes na história não só do jogo, como da franquia.
A história e os mistérios de Chun-li
Nenhum bom personagem tem alto índice de aceitação do público se depender apenas das lutas. Então, Chun-Li recebeu uma grande atenção para sua história para gerar ainda mais simpatia do público e convencer além da beleza, tendo personalidade e motivações próprias.
Chun-Li foi o grande estopim para a criação da história de Street Fighter. Como a ideia era fazer dela uma mulher forte, a equipe de desenvolvimento decidiu dar a Garota da China um plano de fundo mais impactante.
Chun-Li foi o grande ponto de partida para a história da franquia.
Como conta a edição especial da Gamest 35 sobre Street Fighter 2, a equipe de desenvolvimento queria relacionar Chun-Li ao lutador Gen, do jogo anterior, de alguma forma. Então inicialmente quem teria acabado com o pai dela seria o velho lutador, mas acharam melhor mudar o alvo para o vilão principal Bison e criaram toda a cruzada de Chun-Li contra um império do mal. Assim nasceu a Shadaloo, que funcionou tão bem que se tornou a grande antagonista de toda a franquia Street Fighter até hoje.
Genden AnsatsushuFonte: Capcom
Mesmo com a história alterada, uma ligação com Gen não foi descartada. Chun-Li ganhou o golpe Genden Ansatsushu, que em tradução livre significa “O Chute do Lendário Profissional Gen”. Com o tempo foi revelado, pelo livro All About Capcom Fighting Game 1987-2000, que Gen ensinou sua técnica ao pai de Chun-Li, Dorai, que por sua vez repassou para a lutadora. Gen era um grande amigo de Dorai e em respeito a ele se mantém nas sombras protegendo Chun-Li, como visto em Alpha 2.
A Garota Chinesa se tornou detetive de polícia aos 18 anos para investigar o desaparecimento de seu pai, que ela não sabia que havia perecido pelas mãos de Bison. Por fim, ela se tornou investigadora da Interpol e uma exímia atiradora, chegando a ficar entre os 6 melhores do mundo em um torneio internacional, segundo o site Shadaloo CRI.
Mãe de Chun-LiFonte: Udon
Ela usa o qipao em homenagem a mãe, que faleceu em um incêndio quando a lutadora ainda era criança, nas HQs da Udon. Já a escolha da proteção branca para o cabelo é uma homenagem em luto pelo pai, que foi quem passou a ela seu grande senso de justiça e boa parte do seu estilo de luta.
Em Street Fighter V, a Shadaloo sequestrou uma criança hacker, chamada Li-Fen, e a forçou a trabalhar para a organização, a pequena foi salva por Chun-Li, que decidiu adotá-la como filha. Após isso ela passou a cuidar e treinar várias outras crianças na China.
Só que a Chun-Li não é perfeita. Como principal defeito está seu controle das emoções, que acaba levando para dentro das missões e influenciando em suas decisões e batalhas. Outro defeito dela é a completa inabilidade na cozinha. Não que ela não saiba alguma coisa sobre cozinhar, mas é horrível nisso. Tudo isso humaniza e aproxima mais a personagem do público, criando ainda mais conexões e simpatia.
Dentre suas características principais estão a disciplina, a elegância, o inglês fluente, a quase idolatria por Bruce Lee e principalmente sua beleza. Ela é muito vaidosa e não sai de casa sem se arrumar toda, passando horas penteando o cabelo, fazendo maquiagem e tudo que tiver direito. Ela também tem medidas oficiais de seu corpo divulgadas, que são 88 cm de busto, 58 cm de cintura e 90 cm de quadril em 1,70m de altura, como revela o manual do Super Street Fighter 2 para Super Famicon. Esses números são maiores que os listados na versão Alpha, pois esse jogo mostra ela e todos os lutadores mais novos.
Entretanto existem dois segredos sobre Chun-li que a Capcom não aceita conversar sobre. O primeiro é sobre o peso dela. Em nenhum jogo, manual, guia, enciclopédia ou entrevista é revelado qual seria peso da Filha da China. A própria Capcom já afirmou que jamais irá revelar qual é o peso da Chun-Li e sempre manterá o mistério.
Ilustração feita pela Capcom para publicidade nas embalagens da marca de comida japonesa PockyFonte: Capcom
Já o segundo segredo é sobre a sexualidade da lutadora. A Capcom nunca falou de forma oficial sobre a preferência sexual de Chun-Li, apenas jogou indiretas. Não se sabe se ela é realmente heterossexual como se especula. Em nenhum momento, em qualquer parte dos conteúdos considerados canônicos, a lutadora faz menção realmente clara a relacionamentos ou preferências.
O mais próximo disso é uma conversa aleatória que a lutadora tem em Super Street Fighter 4 com Rose, quando, em tom de brincadeira, pede para a cartomante ler a sua mão para saber quando um Senhor Certo vai aparecer. Porém, no mesmo jogo, após muitas idas e vindas, Chun-Li encontra Juri, que a provoca dizendo que a Garota Chinesa tem uma pequena paixão por ela, afirmação que Chun-Li não nega, apenas muda de assunto, deixando no ar se ela só ignorou ou preferiu não comentar.
Já em Super Street Fighter 2 Turbo, segundo os desenvolvedores revelam no livro Gamesmock Vol.47 Gals Island de 1996, o final de Chun-Li deveria mostrar ela tendo uma tão sonhada vida de garota normal após se vingar de Bison, deixando as lutas para ir às compras durante um encontro… Só que nesse final a pessoa que faz par com Chun-Li é a única que não está de uniforme, ou seja, a de roxo a esquerda, que parece estar vestindo roupas de mulher… só que também parece ter um cavanhaque. Curioso, né? Esse final, assim como vários conteúdos, foram considerados alternativos, não canônicos e descartados pela Capcom.
Final da lutadora em Street Fighter 2Fonte: Capcom
Sobre a vontade de muitos fãs de verem Chun-Li e Ryu juntos, de acordo com um blog oficial de Super Street Fighter IV no site da companhia, temos um balde de água fria. Quando perguntado se Ryu e Chun-Li teriam um caso, a Capcom afirmou que “a Chun Li jamais escolheria o Ryu”, afirmação que Akiman corroborou em outra entrevista, deixando ainda mais as coisas no ar.
As artes oficiais de Chun-Li, inclusive, possuem bastante referências diversas, mas nada concreto. Só que nada disso quer dizer alguma coisa. Como disse, a Capcom não comenta nada oficial sobre a sexualidade de Chun-Li, e a história dos lutadores e da franquia sempre está mudando. É provável que essa confusão aconteça apenas para gerar fanservice e instigar o público, como acontece na escolha de expressões faciais, enquadramento e direção nessa cena de Chun-Li e Cammy no modo cinemático de Street Fighter V e, agora, em Street Fighter 6.
Chun-Li: gameplay na franquia Street Fighter
Em Street Fighter 2, embora as barras de vida de todos os lutadores sejam iguais, elas na verdade representavam a porcentagem total de vida restante do lutador. Cada personagem tem um contador de vida interno diferente do outro, por isso cada golpe tira uma quantidade de barra de vida diferente dependendo de qual lutador que receba, já que ali mostra apenas o restante total daquele personagem.
Só que, como conta em depoimento para a Polygon, o coprodutor Yoshiki Okamoto queria que a barra de vida de Chun-Li fosse visivelmente menor: segundo ele “as mulheres não são tão fortes quanto os homens”. Entretanto, Nishitani discordou e interviu deixando a barra de vida de Chun-Li visualmente igual a de todos. Mesmo assim, Chun-li é realmente a personagem mais fraca do game, pois possuí menos vida que os outros, só apenas não é mostrado. Por outro lado, segundo várias revistas da época e o super guia de Street Fighter II, a personagem tem alguns golpes que tiram vida acima da média dos outros personagens e, de acordo com a Enciclopédia de personagens da Capcom, ela é a mais rápida dentre todos os 8 jogáveis no game de estreia.
Chun-Li nasceu como uma personagem bastante apelona, mas foi ‘nerfada’ durante os testes iniciais.
Na verdade, Chun-Li deveria ser bem apelona. Após alguns testes com o público, onde os jogadores ficavam utilizando os mesmos golpes quase que o tempo todo, a equipe percebeu um problema no gameplay da lutadora. Dois ataques que existiam desde sua criação, em que ela realiza saltos mortais para frente e para trás, estavam muito fortes e desbalanceavam a luta, pois os jogadores ficavam utilizando eles a exaustão devido a eficiência. O famoso macete.
Esboço do golpe que foi retirado e depois recolocadoFonte: Capcom
Como a equipe de desenvolvimento não conseguiu terminar de aprimorá-los a tempo, devido ao pouco prazo restante, esses golpes foram retirados da versão original e Chun-Li foi lançada sem eles, mesmo ambos fazendo sucesso nos testes. Isso aconteceu pois o foco da equipe era manter um multiplayer otimizado e balanceado nos contras. Os golpe só foram consertados apenas na versão seguinte, a Champion Edition, lançada pouco mais de um ano depois.
Por outro lado, Chun-Li foi pioneira na luta no ar. Ela e alguns outros lutadores tiveram bastante influência da jogabilidade de Final Fight nesse quesito, como os golpes de comando enquanto pulam, além de outras ideias bastante semelhantes. Mas a garota chinesa foi a primeira personagem jogável a ter um agarrão no alto enquanto salta, bastante eficaz contra o Vega, e bastante copiado por outras franquias.
Similaridades de Final Fight e Chun-LiFonte: Capcom
Outra curiosidade interessante: em Hyper Fighting, Chun-Li também possui um Kikoken de fogo, e você tem uma chance em 256 de acertar. Isso é provavelmente um bug, pois essa bola de fogo é a magia de Dhalsim.
Raríssimo poder de fogo de Chun-Li.Fonte: Capcom
O seu mais famoso golpe, o Spinning Bird Kick, ou “mini taxi” como diriam alguns brasileiros, foi criado apenas como referência ao tatsumaki de Ryu e Ken. Mas esses não foram os únicos golpes dela.
Ao longo das versões e edições de Street Fighter, ela foi ganhando outras habilidades, principalmente usando as pernas, fazendo ela deixar de ser uma personagem de carga como Guile, para ser uma lutadora com muito mais atributos e possibilidades diferentes em seu gameplay. Dessa forma, em todas as edições que participou, Chun-Li sempre esteve entre os personagens mais fortes e jogados da franquia.
Inclusive, em Street Fighter 3, as coisas não iam nada bem para a série. Sem vários dos personagens referenciados e os fliperamas perdendo cada vez mais público, as vendas foram bem abaixo do esperado pela Capcom. Uma das principais medidas para salvar o jogo foi colocar a Filha da China no game.
Dessa forma, Chun-Li se tornou uma das lutadoras mais fortes da versão Third Strike, com golpes de alta prioridade e muita velocidade, além de um especial que tira muita vida até na defesa, pois é composto por uma sequência de 15 chutes muito rápidos, com cerca de 1 décimo de segundo entre cada. Graças a esse especial insano, bem como ao complexo sistema de parry que defende um ataque sem perder vida, Street Fighter renasceu, dando aos jogos de luta uma sobrevida: bloqueando uma Chun-Li, o japonês Daigo Umehara realizou o histórico EVO Moment 37:
Curiosidades sobre a personagem
As vozes de Chun-Li
Nesses 30 anos de existência, Chun-Li teve diversas vozes, mas nenhuma chinesa. A partir de Street Fighter 4 ela passou a ter dublagem em inglês, com sua primeira versão sendo feita por Laura Bailey, que é uma das maiores dubladoras dos Estados Unidos, com trabalhos em vários animes, incluindo Dragon Ball, Yu Yu Hakusho, Naruto e várias franquias de games como Warcraft, League of Legends, Resident Evil e Halo. Porém, recentemente, ela foi substituída por Ashly Burch. que possui em seu currículo The Last of Us Part 2, Fortnite, Dota 2, além de ser a Aloy em Horizon Zero Dawn e sua sequência.
Já para as vozes originais em japonês, foram 3 dubladoras: Yuko Miyamura é a principal das vozes e dublou a personagem por toda a saga Alpha, várias edições da série versus, toda a franquia Street Fighter EX e outras participações. Yuko é a voz original da Asuka de Evangelion, entre várias outras participações. Atualmente, Chun-Li é dublada por Fumiko Orikasa, que é a voz da Saori Kido de Cavaleiros do Zodíaco em algumas animações japonesas mais novas, e da Rukia do anime Bleach.
A música tema
Cenário da China em Street Fighter 2. Fonte: Capcom
A marcante música tema do cenário da Chun-Li em Street Fighter 2 foi composta por Yoko Shimomura, que também fez praticamente todas os sons do jogo, como é contado em entrevistas e no documentário I Am Street Fighter. O processo de criação foi curioso: ela só olhou para o cenário e fez a música. Simples assim.
Além de compor os temas dos estágios dos personagens (menos o do Sagat), Yoko Shimomura trabalhou em diversos jogos muito famosos de desenvolvedoras de renome como Capcom, Square e Nintendo. Mais recentemente, ela compôs o tema de Shiva em Street of Rage 4 e é referenciada também por seu trabalho comandando a trilha sonora de Kingdom Hearts, entre muitos outros trabalhos.
Chun-Li e as várias versões de Street Fighter
Se hoje os jogos de Street Fighter possuem sempre várias versões diferentes, a culpa é da Chun-Li. Segundo a biografia Undisputed Street Fighter, isso começou após Jeff Walker, então gerente de vendas e marketing da Capcom nos Estados Unidos, presenciar duas garotas discutindo asperamente na frente de um fliperama, pois ambas queriam jogar com a Chun-Li, mas a primeira versão do game não permitia isso.
Após assistir a cena, Jeff ligou para a Capcom do Japão com a ideia de lançar uma versão atualizada do jogo. Assim nasceu a roupa alternativa com cor diferente, que virou tendência em outros jogos de luta. Isso também começou a estratégia da Capcom de ficar lançando novas versões com atualizações pagas para Street Fighter.
“Nós estamos prontos quando eu disser que nós estamos prontos”Fonte: Internet
Chun-Li na academia
De acordo com desenvolvedores da Capcom, em uma entrevista para a revista Gamest, para manter aquelas famosas pernas, Chun-Li faz 7 mil agachamentos e levanta 150kg no supino. Não sei se isso é muito, mas parece ser.
Ainda sobre o visual da personagem, no primeiro Marvel vs Capcom, Chun-Li foi capturada pela Shadaloo e diversas tecnologias foram inseridas em seu corpo para que ela possa servir a organização criminosa, se tornando a Shadow Lady, personagem secreto do jogo. Só que logo após a cirurgia, seu senso de justiça falou mais alto e ela desertou da Shadaloo na hora, fugindo do local. A Shadow Lady inclusive apareceu no Street Fighter V como um desafio temporário e estava tão apelona quanto antigamente.
Nas telonas
Chun-Li apareceu também em quase todas as séries de animação e mangás de Street Fighter, além de linhas de brinquedos, action figures, estátuas e os mais variáveis merchandising possíveis. Mas quando o assunto é filme, a coisa complica. Chun-Li participou de 4 longa-metragens. Ela está presente nos dois live actions: “Street Fighter: O Filme”, aquele com Jean Claude Van Damme, e “A Lenda de Chun-Li”, que foi produzido por Keiji Inafune, de Mega Man. São produções que nem é preciso comentar muito sobre, e muita gente finge que eles nunca aconteceram.
Chun-Li também aparece em uma película de animação feita para divulgar o lançamento de Street Fighter Alpha, onde ela é uma guia turística de 15 anos. Mas um dos filmes mais lembrados e bem avaliados é Street Fighter II: The Animated Movie, onde aparece a famosa cena do banho. Essa cena acabou sendo replicada em outros filmes de jogos de luta, como o de Fatal Fury com a Mai e de Anna no filme de Tekken.
Aliás, esse filme de Street Fighter foi uma das censuras que Chun-Li teve ao longo da vida. Essa cena do banho e a luta contra Vega causaram uma série de problemas para a animação em quase todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, onde os jogos da franquia já faziam muito sucesso, pois naquele tempo ainda não existia a classificação etária por lá. Porém, no Brasil, onde isso já existia, a versão completa e sem censura foi comercializada e exibida na televisão, mas nem sempre editada.
As censuras de Chun-Li
Falando sobre censuras, Chun-Li sofreu algumas durante sua jornada. Os finais de Chun-Li nas versões de Super Street Fighter 2 de Super Nintendo foram alterados devido às rígidas exigências da Big N na época. Assim, ela deixa de orar no túmulo do pai e o sangue foi removido.
Já em Alpha 2, essa cena no final de Chun-Li no Super Nintendo foi cortada, pois a empresa não aprovou o ângulo, sendo substituído pela imagem dela de frente mesmo sem mostrar Bison. Aliás, no Alpha 2, se você escolher a Chun-Li segurando o botão start, selecionará uma versão diferente da lutadora, com as roupas de Street Fighter 2 e com alguns golpes e comandos diferentes.
À esquerda a original de arcade e a direita a versão de Super NintendoFonte: Capcom
Jogo próprio e participações
Vale lembrar, também, que Chun-Li teve um jogo próprio em que foi protagonista. Infelizmente esse game era um pachinko e só saiu no Japão. Para quem não está familiarizado, Pachinko são aquelas máquinas caça-níquel: nas versões japonesas, você precisa ficar colocando dinheiro para tentar seguir em uma história contada em pequenas telas, dependendo da máquina. Em Chun-Li Ni Makase China, a heroína enfrenta os mesmos personagens de sempre como Bison, Vega e a Shadaloo em uma história não canônica, que parece se passar entre Street Fighter Alpha e Street Fighter 2.
Outra participação diferente dela foi em Power Rangers: Legacy Wars onde Chun-Li se tornou uma Power Ranger, com direito a morphagem e tudo após ganhar uma moeda do poder de uma ranger amarela.
Fora dos games uma de suas aparições mais infames foi em uma HQ não canônica de Street Fighter 2, feita pela Malibu Comics. Nela Chun-Li é apaixonada por Ryu e teria tentado um relacionamento amoroso com ele. Nessas revistas, Ken teve um escalpo cortado por Sagat com uma faca e enviado em uma caixa para Ryu, além de outras bizarrices. Foi cancelada pela Capcom já na terceira edição.
Bizarrice pouca é bobagemFonte: Malibu Comics
Superação
Entre 2013 e 2017 no Street Fighter IV de Xbox, o melhor jogador do mundo de Chun-Li em partidas online era Mike Begum. Ele cresceu com artrogripose, uma doença rara que impede o crescimento dos ossos e músculos dos braços e das pernas. Mesmo assim, ele não desistiu de jogar com sua personagem favorita.
Ele utiliza apenas a boca, bochecha e língua para controlar a lutadora, e conseguiu se adaptar bem, pois não só se tornou um dos melhores do mundo no competitivo com a Chun-Li, como participou de vários campeonatos. Segundo uma reportagem da ESPN americana em 2019, Mike não pensa em parar de competir, e só não se tornou profissional de fato viajando pelo mundo como outros competidores pois sua condição o impede disso.
Chun-Li é a segunda personagem de Street Fighter que mais apareceu em outros jogos, perdendo só para o protagonista e mascote da Capcom, Ryu, que tem literalmente mais de 200 aparições em games diferentes. Eles dois são os únicos personagens de Street Fighter a aparecer em todas as edições da série versus da Capcom. Da pra ver ela até em Mortal Kombat. A Filha da China também faz participações em animes como Hi Score Girl e Yuyu Hakusho e filmes de grande orçamento como Jogador Número 1 e Detona Ralph 1 e 2.
O impacto cultural de Chun-Li
Chun-Li se tornou um sucesso instantâneo, causando um impacto cultural imediato e duradouro, além de uma referência sobre força e coragem feminina. Até hoje, cerca de 30 anos depois do lançamento de Street Fighter 2, em qualquer evento de games ou cultura nerd em geral você verá pelo menos um cosplay de Chun-Li. No entanto, isso não é nada comparado com os concursos que aconteciam no começo dos anos 90 em várias partes do mundo, principalmente Alemanha e Japão, que buscavam encontrar a mulher mais parecida com a lutadora. Em alguns concursos, algumas premiações eram carros zero como Nissan 300ZX e um Honda CR-X, entre vários outros itens.
Mas não foram só cosplayers que se vestiram de Chun-Li: várias celebridades japonesas já fizeram isso em eventos e programas de televisão, além disso existem alguns filme que surfaram na onda do sucesso da lutadora. Um dos principais exemplos disso é o lutador Jackie Chan vestido de Chun-Li no filme City Hunter. Outro exemplo é a banda Arctic Monkeys, que possui uma música em homenagem a lutadora chamada “Chun Li Flying Bird Kick”. Já a cantora Nicki Minaj tem um single chamado Chun-Li.
Em 2002, Chun-Li ganhou a votação popular de personagem favorito de Street Fighter, o mesmo aconteceu nas escolhas de revistas como GameDaily e a EGN, que premiaram ela também como a mais quente dos games em 1992. Já a GamesPro, a Complex e a IGN elegeram em suas premiações a Chun-Li como a maior personagem de jogos de luta de todos os tempos. Além disso Chun-Li apareceu em várias listas de personagem mais sexy da história e de melhores personagens em geral dos games de todos os tempos, vencendo na categoria feminina na Game Revolution e outras publicações.
Conclusão
Com o sucesso da Garota Chinesa várias personagens em jogos de luta foram criadas similares a ela, como visto em Tekken, Virtua Fighter e Dead or Alive. Entre tretas, mudanças e adaptações, Chun-Li abriu as portas para várias outras personagens icônicas, como Sonya Blade, Mai Shiranui e Cammy.
Chun-Li mudou a forma como os jogadores e desenvolvedores viam as mulheres. Sem ela, com certeza a história de muitos games seria diferente. É graças a força, carisma, história e muita dedicação dos desenvolvedores da Capcom que Chun-Li pode falar que não apenas é a mulher mais forte do mundo, como uma das mais importantes também.
Continuando o legado de Chun-Li, Street Fighter 6 já está disponível para jogar no PC, PS4, PS5, Xbox Series S e X. Confira a análise do Voxel com o game!
*Este texto contou também com ajuda de Bianca Freitas, a Bia Chun-Li