Em 2021, a ZeniMax Media foi comprada pela Microsoft pelo astronômico valor de $7,5 bilhões de dólares. Desde então, nenhum grande título desenvolvido pelas subsidiárias da ZeniMax foram lançados para o Xbox de cara, com Deathloop e Ghostwire Tokyo chegando com exclusividade temporária para os consoles da Sony por um acordo feito antes da compra ser efetivada.
No mesmo ano, durante a apresentação da Xbox na E3 de 2021, foi anunciado Redfall, um game cooperativo de tiro em primeira pessoa desenvolvido pela frente americana da Arkane. Encabeçado por Harvey Smith, o gênio por trás da franquia Dishonored, o jogo foi recebido pela comunidade com empolgação e receio.
Depois de quase 20 horas de gameplay, é possível dizer que os dois lados estavam certos e errados ao mesmo tempo. Confira agora a nossa análise de Redfall.
Original à sua maneira
Já vou começar respondendo: Redfall não é um Borderlands e nem um Far Cry da vida. Eu raramente faço comparações em minhas análises pela velha máxima de que se a pessoa não sabe do que estou falando, eu não estou dizendo nada. Contudo, os tweeteiros de plantão criaram essa ideia de que o game seria genérico, na pegada da franquia de looter shooter da Gearbox ou da famosa série de tiro em primeira pessoa da Ubisoft. Isso fez com que muitos jogadores ficassem com um pé atrás por conta dessa bolha social que muitas vezes só quer reclamar, mesmo sem saber do que está falando.
Redfall tem o DNA da Arkane Studios: personagens principais e vilões cativantes, direção de arte absolutamente primorosa, construção de mundo que engrandece a trama e jogabilidade muito divertida e cheia de liberdade. O grande diferencial é que esse é o primeiro jogo cooperativo e de mundo aberto da empresa, fazendo com que ela buscasse referências externas e fizesse pequenas concessões do seu característico estilo.
A começar que ele não é um simulador imersivo tão denso quanto Prey, também desenvolvido pela filial americana da Arkane. Isso quer dizer que ainda é possível fazer abordagens um tanto originais em diversas situações, entrando em uma casa pelo teto, porta da frente, janela do segundo andar ou mesmo pelo porão, por exemplo. Porém, não são muitas as situações em que isso é possível.
O fato de ser um mundo aberto dividido em dois grandes mapas dá a sensação de que o estúdio ficou com medo de perder o controle sob o ambiente, já que não teria que lidar com as decisões e ações de um jogador, mas sim de quatro simultaneamente. Com isso, há diversos lugares com uma única entrada e saída e missões, tanto principais quanto secundárias, com um longo segmento linear. Isso não é um demérito, mas sim uma mudança no game design que será notado pelos jogadores.
Amigo Estou Aqui
Essa concessão acabou tendo resultados muito positivos. Não se deixe enganar: ele é um título multiplayer que pode ser jogado solo. Você até pode embarcar em Redfall como um marinheiro solitário, mas há um constante sentimento de que esse barco pede que você esteja acompanhado.
Há quatro personagens disponíveis para o player escolher, cada um com habilidades e histórias completamente diferentes. Na minha aventura, estive na pele do “caçador de criptídeos”, como ele se autointitula, Devinder Crousley, que tem um ego do tamanho da sua inteligência. Já meu companheiro assumiu o papel do ex-militar sombrio Jacob Boyer, que foi presenteado (se assim posso dizer) com um corvo e um olho estranho pela deusa vampira Sibila.
As diferenças gritantes nas personalidades de cada um deles geram diversos diálogos divertidos e outros extremamente irritantes, que são repetidos à exaustão quando alguma situação específica acontece. Porém, a melhor parte são os poderes de cada um, que podem ser usados em conjunto para tornar as batalhas e a exploração muito mais estratégicas.
Quando atravessávamos o mapa, Jacob jogava o seu corvo para fazer um reconhecimento na área e descobrir onde estavam os inimigos. Já Devinder usava o seu dispositivo de translocação e teletransportava para um lugar distante ou de difícil acesso. Isso nos tornou muito mais cientes do ambiente ao nosso redor e permitiu examinar lugares com mais facilidade.
Já no combate, o manto de Jacob nos fazia ficar invisíveis, dando tempo de usarmos um kit médico ou trocar de arma, enquanto o dardo elétrico de Devinder dava dano e atordoava vampiros e humanos que corriam em nossa direção.
Sempre ficávamos pensando em novas formas de usarmos nossos atributos e como combiná-los com nossas armas, a distância que estávamos dos inimigos e diversas outras variáveis. Com mais jogadores, eu tenho certeza que a experiência é ainda mais eletrizante ? e caótica, para dizer o mínimo.
A bala come solta
E assim como os poderes, o gunplay é excepcionalmente divertido. Esse foi um dos grandes acertos do título anterior da desenvolvedora, Deathloop, com o diferencial de que aqui é ainda mais presente pela falta de opções para quem gosta de uma jogatina mais sorrateira, o que pode decepcionar alguns jogadores. Até há armas com silenciador e a possibilidade de fazer menos barulho quando abaixado, porém Redfall te chama para bater de frente com os inimigos e metralhar tudo o que estiver na tela. Com isso, essa qualidade fica ainda mais visível.
A variedade de tipo de armas não é gigante, mas tem para tudo quanto é gosto. Fuzil de assalto, escopeta, sniper, revolver e outras um pouco diferentes, como Lança-Estacas e Feixe UV, que são muito efetivas contra vampiros, então é sempre bom ter pelo menos uma de cada no inventário.
As armas são divididas por raridade e a maioria pode ser esteticamente personalizadas com skins adquiridas cumprindo missões e, em algumas delas, a estaca que vai furar o coração do vampiro. Infelizmente, uma das dezenas de bugs que encontrei foi o jogo trocar sozinho qual estaca está na minha arma, sempre voltando para a padrão.
Como comentado, somente é possível mexer na aparência das armas. Então se o jogador quiser uma sniper com um visor diferente ou uma metralhadora com mira, terá que procurar pelo loot espalhado pelo mapa ou comprar nas bases. Além disso, não é possível dar uma arma do seu inventário para seu companheiro, o que acaba tornando tudo isso uma chata inconveniência durante a jogatina.
Difícil memo é não sair ferido (só que não)
E o que também tem uma boa variedade são os inimigos, em especial as estrelas do jogo. Os humanos, separados entre cultistas e agentes da Bellwether, são simples, se diferenciando mais pelo arsenal que carregam. Ainda que sejam fáceis de matar, eles dão um bom dano, o que pode dificultar a vida em diversos momentos.
Já os vampiros são um show a parte. Existe o tipo mais comum, que só parte para cima do jogador e se teleporta de um lado para o outro. Há também alguns bem perigosos, como a Predadora, e outros que vão complicar as coisas, como os Vigilantes. Quando em grande número, a situação fica bem complexa e necessitará da habilidade e estratégia dos jogadores.
Contudo, eu não senti o jogo exigindo muito das minhas habilidades. Começamos jogando no nível médio, mas estava fácil demais. Então, aumentamos para o difícil, que deu uma certa apimentada nas coisas, mas não muito. A dificuldade seguinte, chamada de Eclipse, só foi liberada quando terminamos a campanha pela primeira vez. Foram poucos os momentos que passamos real sufoco nas nossas quase 20 horas de jogatina, enquanto os confrontos corriqueiros não passavam disso: confrontos corriqueiros. Tudo era resolvido com uma dúzia de headshots e não se fala mais nisso.
Infelizmente, o mesmo acaba se aplicando para as batalhas contra os chefões, que ainda que muito bonitas, com dinâmicas diferentes e arenas com designs incríveis, eram resolvidas em poucos minutos. Se eles pelo menos tivessem uma segunda fase, como o caso de alguns inimigos na franquia soulslike, a experiência seria muito mais empolgante do que efetivamente foi.
É sempre culpa deles!
Em contrapartida, a história foi um acerto gigantesco da Arkane. O começo é meio lento, já que há muito contexto para ser apresentado e muitas mecânicas para serem ensinadas. Porém, após o primeiro terço da campanha, ela engata a quarta marcha e vai embora sem freio.
É provável que algumas pessoas não percebam, mas a trama é uma clara crítica ao sistema capitalista, à farsa da meritocracia e a indústria farmacêutica dos Estados Unidos, que foca mais no lucro do que na saúde das pessoas. Isso é possível observar na intenção de muitos personagens e nos acontecimentos cruciais da história. Além disso, também é abordada a questão de empresas gigantes que se instalam em pequenas cidades, como a marítima Redfall, e acabam afetando negativamente a vida dos habitantes e nos seus estilos de vida. É extremamente interessante perceber que a grande mensagem que o jogo passa é “eles eram monstros que se transformaram em vampiros”.
Outro grande acerto da desenvolvedora nesse quesito foi o fato de enxergarmos os acontecimentos pela visão do nosso personagem. Toda vez que aceitamos uma missão principal, vemos uma pequena cutscene narrada pelo nosso protagonista falando o que está acontecendo naquele momento. Acontece que cada jogador terá uma narração diferente com um texto único que reflete o backstory daquele que controlamos. Quem usar Jacob, por exemplo, vai ver que ele tem ódio dos ricos pelo passado dele que vai sendo revelado gradualmente, enquanto Devinder vê tudo como uma grande aventura que ele poderá contar no seu próximo livro ou documentário.
Isso traz muito mais proximidade com o protagonista que escolhemos e também nos incentiva a rejogá-lo para ver as diferenças entre cada um dos quatro disponíveis.
Mas não só de campanha vive Redfall. O título está cheio de conteúdos complementares que podem ser feitos para subir de nível e dar aquela bela limpada na cidade. Alguns personagens e textos espalhados pelo mapa dão missões secundárias. Há também refúgios para serem liberados, que não só são pontos de viagem rápida e reposição de mantimentos, mas também liberam pequenas missões. E para fechar, há os ninhos de vampiros, que são áreas subterrâneas cheias de criaturas sanguinárias e de armas poderosas.
Tudo isso, aliado a encontros aleatórios com inimigos, tornam a exploração ainda mais divertida e, considerando que a única forma de locomoção é andando de um lado pro outro, foi uma ótima forma de não tornar essa bateção de perna algo cansativo e até chato.
Entretanto, há um empecilho muito grande que me incomodou profundamente. Em determinado momento da história, saímos de um mapa e vamos para outro bem parecido, mas bem diferente. O jogo avisa que não poderemos voltar para aquela área e ele está falando muito sério. E como se não bastasse, logo após a última batalha contra um chefão, o save é fechado e não é possível retornar para completar as atividades secundárias.
Sendo assim, não há o clássico “late game”. O que não foi feito, é perdido para sempre, bastando ao jogador começar uma nova campanha e repetir absolutamente do zero. Não faz o menor sentido, na minha visão, sendo que o já citado Deathloop, mesmo com o encerramento canônico da campanha, permite o player voltar à Blackreed para explorar mais do lugar. Esse foi um grave erro que me frustrou bastante, como se todo o esforço fosse em vão.
Faltou uma esmerilhadeira
E sinto dizer que esse não foi o único grande vacilo da desenvolvedora em Redfall. Outra característica intrínseca do DNA da Arkane é a má otimização de seus jogos no lançamento. Com um Ryzen 5 2600, NVIDIA RTX 3070 Ti e 16 GB de memória RAM, o game não conseguiu me entregar 60 quadros por segundo com as configurações no médio. Chegava a ser excruciante andar em algumas partes do mapa, com a tela parecendo mais uma apresentação de Power Point. O mesmo aconteceu com meu amigo, que possui configurações um pouco melhores que as minhas. Esse problema ficou visível quando percebi que minha placa de vídeo não estava batendo nem 60 graus de temperatura, mas o jogo estava penando para me entregar uma performance estável.
Eu me recordo que o mesmo aconteceu com Deathloop, que pude jogar no lançamento. Na época, minha RTX 2060 tinha que fazer um esforço gigantesco para que eu tivesse mais de 50 quadros por segundo com tudo no mínimo e sem DLSS, que já está presente desde o lançamento em Redfall. Com certeza, a Arkane ficaria muito feliz se tivesse mais dois meses para polir o jogo.
Meu parceiro afundado no chão e andando assim.Fonte: Bethesda
Esses dois meses também seriam usados para corrigir as dezenas de bugs que encontrei na minha jogatina. A maioria era de animação, com personagens deslizando no ar, atravessando a parede e coisa do tipo. Porém, teve um mais crítico que afetou diretamente a nossa jogatina.
Estávamos sendo atacados por diversos vampiros ao mesmo tempo, o que me fez usar minha habilidade suprema. Isso acabou me deixando preso no chão e sem levar dano, o que facilitou muito limpar a área, mas me gerou frustração por não ter mérito em derrotar meus adversários.
Essa é definitivamente a maior crítica que tenho ao jogo. O desenvolvimento teve que ser corrido para entregar na data anunciada, porém acabou comprometendo muito a minha experiência com diversos problemas que dificilmente serão corrigidos com um patch logo no lançamento.
Vale a pena?
Não se deixe enganar, se não fossem todos os problemas de performance e bugs citados a pouco, Redfall seria o meu jogo favorito de 2023 até o momento. Há diversos acertos que colocariam ele com um dos grandes shooters cooperativos do mercado e como mais um grande sucesso da Arkane. Sua história intrigante, a diversão com amigos, os tiroteios com poderes e a exploração do incrível mapa. Ele tem cara, cheiro e gosto da desenvolvedora franco-americana. Porém, é mais um erro quando o assunto é desempenho. Infelizmente, ele mais parece uma última versão beta, aquela testada antes de partirem para o polimento, do que efetivamente o jogo final. É bem fácil recomendá-lo por estar presente no catálogo do Xbox e PC Game Pass, mas eu se pensa em comprar, fique ligado em quantos patchs de correção foram lançados. No fim, a balança pesou bem mais pro positivo do que pro negativo.
NOTA: 82
PRÓS:
- Uma aventura com cara de Arkane Studios, mas adaptada para a proposta do game
- Multiplayer cooperativo extremamente divertido
- Misturar os poderes deixa a gameplay muito mais estratégica
- Tiroteio prazeroso e com boas opções de armas
- História cheia de críticas sociais
- Personagens principais, secundários e antagonistas cativantes
- Diálogos que enriquecem muito a trama
CONTRAS:
- Desempenho bem ruim, mesmo com hardware forte
- Diversos bugs de animação e até alguns que quebram o jogo
- Falta de um late game
- Dificuldade fácil demais
- Batalhas contra chefões sem grandes dificuldades
- Alguns diálogos são repetidos à exaustão
- Não é possível dar armas do seu arsenal para seus amigos