Quando eu ainda estava começando a me aventurar pela série Final Fantasy, um querido amigo despretensiosamente tentou me motivar a desbravar a franquia com uma simples e cirúrgica frase: “essa é a franquia dos românticos”. E ele não poderia estar mais correto! Afinal, o que é Final Fantasy senão a maior história de romance dos videogames?
Com grande foco nas emoções e colocando os personagens no centro da narrativa, a lendária franquia de RPGs da Square Enix chega agora ao seu décimo sexto capítulo numerado com muita coisa nova, mas principalmente entendendo o que foi que tornou a série tão querida por décadas: aquele quentinho no coração que sentimos ao mergulhar em um universo de pura magia e romantismo!
Dessa vez, a equipe comandada pelos diretores Hiroshi Takai e Kazutoyo Maehiro, além do lendário Naoki Yoshida na produção, teve um evidente e declarado esforço para “ocidentalizar” a fórmula, assumidamente bebendo muito da fonte de obras como a série Game of Thrones na tentativa de agradar a uma parcela ainda maior do público.
Não precisava de nada disso, mas no mínimo o esforço ajudou o título, agora com classificação etária para maiores de idade, a encontrar um novo tom, identidade visual e atmosfera. E para o bem ou para o mal, é sempre no mínimo interessante quando Final Fantasy se arrisca tanto, como aconteceu recentemente no criativo Stranger of Paradise! Entre erros e acertos, vamos discutir a qualidade do jogo mais a fundo no nosso review completo a seguir.
Custos e benefícios da americanização
Apelar para o gosto do ocidente não é uma tática nova no mercado dos videogames e pode ser vista desde o início da história dessa mídia, com diferentes capinhas de jogos pensadas para cada mercado, por exemplo. Um case de sucesso recente e com mudanças internas mais significativas aconteceu poucos anos atrás, quanto a Capcom teve muito êxito ao expandir os horizontes de Monster Hunter World, tornando a obra mais palatável para diferentes demografias e, com isso, aumentando exponencialmente as suas vendas globais.
Se pensarmos na forma como Final Fantasy sempre foi sinônimo de fantasia nos videogames, até que faz bastante sentido a ideia de buscar inspiração em séries de sucesso ocidentais para agradar ao máximo de gente possível nesse retorno à estética medieval. Então agora temos muito, muito sangue e violência sendo banalizadas pelos campos e castelos do mundo de Valisthea, com direito até a cenas de nudez dignas de alguém que realmente ficou estudando a cartilha da HBO.
A trama da vez é centrada especialmente nos irmãos nobres Clive, o mais velho e protagonista, e Joshua, o caçula escolhido para portar os poderes de Fênix. Nesse novo universo do jogo, algumas pessoas são dignas de usar poderes colossais que remetem aos antigos summons, agora chamado de Eikons, e muito da intriga política da vez gira ao redor disso, já que essas formas gigantescas são poderosas armas no campo de combate.
Não vou entregar spoilers ou maiores surpresas sobre o enredo por aqui, mas o que eu posso garantir e adiantar é o seguinte: essa é uma das melhores e mais empolgantes histórias de toda a franquia, com um elenco maravilhoso e mistérios muito instigantes. Se você jogou a demo grátis e viu o seu final chocante, pode ficar tranquilo, porque aquilo ali, por mais épico que seja, não pega sequer um top 5 de cenas mais marcantes e surpreendentes da campanha!
Dessa vez, a trama é majoritariamente estruturada por pequenos capítulos e fases que você pode selecionar a partir de um mapa do overworld, com um esconderijo sendo liberado como base central de operações pouco depois dos eventos da demo. Há segmentos mais lineares e outros tantos com design mais semi aberto intercalados entre os capítulos, e isso causa sentimentos mistos.
Pense em uma mistura de Final Fantasy VII Remake, onde a história flui de forma linear com missões secundárias sendo obtidas aqui e ali ao falar com o pessoal, com Crisis Core, onde você pode facilmente visitar outros cenários e desafios sem muita burocracia através dos menus, e isso talvez te dê uma boa ideia dos novos pilares de funcionamento. Leva um tempo para clicar, mas em poucas horas fica tudo bem conveniente
Ou quase tudo. Ainda acho um pouco estranho o funcionamento do ferreiro e da loja no esconderijo, já que o meu sentimento é de que comprar novas armas e acessórios importa muito pouco ou quase nada no fim das contas, parecendo só um leve burocracia que está lá só para bater o ponto e lembrar os jogadores de que o game ainda é, sim, um RPG, mesmo que repleto de elementos de ação ao seu redor.
Curto muito mais a implementação de outros sistemas que eu espero que virem padrão no gênero, como a possibilidade de pausar as cenas a qualquer segundo e então consultar uma enciclopédia completa com todos os detalhes sobre os personagens e o contexto em tela. Também há um coleção de músicas para se obter no esconderijo e uma extensa busca para completar os registros da biblioteca, o que, aí sim, tem bem mais cara de RPG.
Mudando o foco para ainda mais ação!
Em uma de suas últimas entrevistas antes do lançamento, Ryota Suzuki, o diretor de combate mais conhecido por seu ótimo trabalho em Devil May Cry 5, afirmou que esteve “fazendo jogos de ação por 25 anos, mas sinto que essa é a minha obra-prima”, uma citação um tanto ousada, mas também, se eu puder discordar humildemente, equivocada.
Não se engane, o combate de Final Fantasy XVI é ótimo, verdadeiramente maravilhoso e empolgante, mas acredito que ele também acaba inserindo o gameplay em uma cilada ao ser comparado com outros projetos recentes. Voltando ao próprio repertório do Suzuki, o seu DMC 5 oferece um sistema de combos, pontuação e movimentos mais farto, vistoso e gratificante.
Enquanto isso, a própria Square Enix já tinha encontrado verdadeiros diamantes no impecável sistema de batalhas de Final Fantasy 7 Remake, um dos melhores jogos da geração e um título que habilmente misturava o clássico sistema de ATB com uma miríade de atalhos e possibilidades de customização, garantindo fluidez ímpar e muita estratégia aos combates, uma modernização imaculada dos sistemas. Novamente, isso não quer dizer de forma alguma que o combate de Final Fantasy XVI seja ruim, pelo contrário!
É apenas curioso que, no campo da ação, tenhamos jogos superiores, enquanto no mundo dos RPGs a própria desenvolvedora já tenha criado um sistema mais completo e profundo! Aqui, a ação é centrada no protagonista Clive, que possui um arsenal crescente de ataques tanto com suas armas e magias simples como com golpes especiais pautados em cooldowns derivados dos Eikons. Conforme a campanha progride, você habilita mais movimentos e formas de engajar com os inimigos, além de poder melhorar a sua eficácia acessando uma árvore de habilidades.
Não obstante, a base do combate é permanente e funciona assim: com o D-pad você acessa os seus itens através de atalhos, enquanto os golpes principais são desferidos usando quadrado ou triângulo no joystick. Ao segurar R2 você acessa os movimentos especiais com cooldown, e o L2 te permite mudar o tipo de ofensiva dependendo dos poderes que você já tenha habilitado. Há um sistema de esquivas bem eficiente com o R1, e o círculo faz com que você possa se deslocar com mais agilidade ou até mesmo puxar inimigos para perto, novamente dependendo do contexto e do poder que você escolher.
É um sistema fácil de entender e dominar, e com poucos minutos de prática você vai poder se exibir com golpes de tirar o fôlego. Mas se por qualquer motivo você estiver encontrando dificuldades, logo no início do gameplay você ganha acessórios que automatizam vários movimentos, além de poder jogar em um modo de dificuldade baixa que prioriza a narrativa acima de tudo. Como em Final Fantasy 7 Remake, o grosso do desafio mais hardcore se encontra no endgame e nos desafios extra, não na sua primeira zerada pela campanha principal.
Tamanho é documento!
Quem jogou a incrível demo ou viu os trailer de divulgação também deve saber que, além das lutas normais do Clive, as batalhas colossais entre Eikons também são parte da experiência, e que experiência! Levando o hardware do PlayStation 5 até o seu limite, os gigantescos Eikons exploram diferentes formatos de gameplay, arenas de batalha e muitas surpresas que eu não quero, não posso e não iria estragar por aqui de forma alguma, então você precisa jogar para acreditar!
Naturalmente, há um custo para o espetáculo, e é principalmente nos seus conflitos que o framerate pode derrapar um pouco. Já foram prometidos patches de melhorias pela equipe, mas enquanto eu zerava a campanha, de tempos em tempos rolavam algumas quedas no modo performance, então eu acabei preferindo jogar em modo qualidade, já que lá os 30 fps eram relativamente estáveis na maior parte do tempo. Seja qual for a sua escolha, nunca fica injogável e nem nada assim, mas é certamente uma área que pode ser bem beneficiada por patches.
E falando em grande escala, a trilha sonora de Masayoshi Soken merece todos os prêmios possíveis e imagináveis. Como já vinha acontecendo nos últimos blockbusters da Square Enix, novamente a produtora não poupou despesas e caprichou demais nas orquestrações de altíssimo valor de produção repletas de melodias marcantes. Citando uma boa hipérbole do meu amigo Vinicius Munhoz:
Enquanto muitos jogos brigam pelo prêmio do TGA, a briga das trilhas sonoras da Square Enix rola em outro patamar. É com Vivaldi, Beethoven, Tchaikovsky e cia. É difícil imaginar um trabalho sonoro mais notável este ano, e os entusiastas de trilhas musicais certamente ficarão muito bem servidos por aqui, com as canções e a direção de som dando o tempero perfeito para a catarse visual propiciada pelo mundo e batalhas.
Vale a pena?
Final Fantasy XVI abre as portas para uma nova fase de uma das mais clássicas franquias de RPG do mercado. Agora mais pautada em uma estética madura, com muito sangue e violência, mas ainda assim mantendo a magia, carisma e simbologia que consagraram a série ao longo de todas as gerações de consoles, a obra oferece um verdadeiro espetáculo visual e sonoro. Por mais que existam jogos de ação mais fluidos e RPGs mais densos por aí, o fato é que Final Fantasy XVI serve mais um banquete repleto de tudo o que os seus fãs mais gostam! A apresentação do prato pode até estar um pouco diferente desta vez, mas o sabor é aquele mesmo gostinho familiar que trouxe tanto sucesso à série.